quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Homem e o Corpo*



Quando Maurice Clément abriu os olhos, um pouco aturdido ainda pela queda, ela estava lá, de costas, bem perto. Na Medida em que a poeira baixava, podia vê-la com mais e mais clareza. Sim, era uma mulher. Seu corpo alongava-se até o infinito, onde o olhar não chega mais, e tinha curvas tão sinuosas que poderia se jogar ali e divertir-se como uma criança deslizando num enorme tobogã de brinquedo.
Clément, um homem comum, trivial como um carteiro que passa toda manhã, esfregou os olhos e beliscou-se, a fim de ter certeza de tal vislumbre (era real), levantou-se então. Ao se levantar, este homem já tão cheio de histórias para contar, que pensava já ter vivido o suficiente, deu-se conta de que a vida reservava-lhe ainda uma vez experiências desconhecidas.
De um salto pôs-se então de pé, respirou profundamente, dobrou os joelhos para alcançar velocidade e correu em direção a ela. Correu. Correu sentindo o vento despenteando seus cabelos, correu com os braços abertos e a felicidade que gritava: “Vai! Vai! Seja leve, livre como uma criança!”
Mais Clément corria, mais ela parecia grande. Era como uma montanha no horizonte, sinuoso traço delimitador de céu e terra que cresce na medida em que nos aproximamos. Alcançou-a. Agarrou por baixo, com respeito, a extremidade do dedinho de um dos pés que repousavam sobre a grama e escalou-o com euforia, mas cuidadosamente. O tempo poderia parar. Ele escalaria por toda a eternidade. Deslizaria como agora, até a morte, cada centímetro de pele, experimentando o cheiro de suor dessa tortuosa montanha. Era realmente divertido.
Nosso homem podia ter parado por aqui. Já tinha se divertido bastante. Mas não. Quando nos aproximamos realmente de uma mulher, não é fácil se distanciar. Ele não sabe mais, hoje, se foi a cor rosa daquela pele que o seduzira ou a curiosidade de explorar o desconhecido que o levou a percorrer este corpo por tão longo tempo. Maurice se perdeu nos pelos dourados, viveu como um peregrino de um seio ao outro, ao fio de noites e dias. Bêbado, dependente desse cheiro de onde retirava suas forças, mas que o matava pouco a pouco, como uma droga que queremos deixar, mas que proporciona tanto prazer.
Há pouco tempo, Clément, que a essa altura se arrastava com sua enorme barba pelos doces caminhos da perna esquerda (que por esses dias tinha cheiro de jasmim), parou de repente. Um delicado zíper se aproximava com jeito de trem, e ele aproveitou a ocasião para fazer uma viagem. Percorreu um longo caminho vermelho, como os vastos campos de tulipas de seu país de origem.
A cintura, o colo, os ombros. Ao fim de três dias, desembarcou. A escalada até a nuca começava. As inexploradas terras do pescoço. Os cabelos, o canto da orelha, uma pequena pinta, o canto da boca. Chegou.
Sim, era como o céu. Se podemos cair por terra no corpo de uma mulher, é no seu rosto que a gente se descobre vivo. Um sorriso, e toda a escuridão do mundo desaparece. É aqui onde o sol vem toda manhã, recolher a luz para iluminar o dia. Maurice Clément sentou-se, enfim, no canto do nariz, bem próximo de duas grandes estrelas; olhos azuis-celeste, como o céu que chegava agora para ele. Suspirou aliviado, fechou os olhos lentamente. Nesse momento, acima dele, um movimento começa. Um barulho parecido com o da água, e um pequeno lago se formou ao seu redor. Um lago salgado, que tornou-se rapidamente um pequeno rio, depois um rio correndo com mais velocidade, turbulento. Uma queda d’água, uma cascata, e Clément escorreu. Resta agora um fio cintilante, um traço de vida que afoga um homem num corpo. Uma gota de mulher. Um homem morto que percorre um corpo num fio de lágrima.

* Tradução. Este conto foi escrito originalmente em
francês.

terça-feira, 18 de agosto de 2009



Quando eu nasci
um anjo lindo,
desses que vivem na luz
disse : "vai, Ivi, por que
ser
'gauche' faz parte da vida!"

Não me chamo Raimundo,

não preciso de solução
eu sol a rima!